Os obstáculos que tornam difícil a convivência urbana, prejudicam a saúde e atrapalham a mobilidade dos cidadãos, como a poluição sonora e visual, o lixo e o calor, podem ser reduzidos com o respeito às árvores e ao espaço público. Felizmente, mesmo com todos esses aspectos, o fortalezense não deixa de ocupar as ruas.
Entre o barulho e o escapamento dos carros, motos, ônibus, em meio à sujeira e à poluição, o ambiente urbano é lembrado como um lugar desagradável, onde os moradores precisam disputar espaço com o lixo nas calçadas, o trânsito nas ruas, árvores, postes, placas… Porém, com medidas simples de respeito ao espaço público e ao meio ambiente, é possível mudar esta perspectiva e, de quebra, conseguir temperaturas mais amenas, áreas de sombra mais amplas, calçadas mais transitáveis e ar mais puro. Quem não gostaria de viver em uma cidade que tivesse todas essas qualidades?
Das providências que podem ser tomadas para atingir estes objetivos, a ampliação da arborização urbana contribui para todos eles e mais alguns. Segundo o projeto de política ambiental de Fortaleza elaborado pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), a arborização urbana compreende “qualquer tipo de árvore, de porte arbóreo, ou em formação, existente em logradouros públicos ou em propriedades privadas”.
As árvores servem de abrigo e alimento para a avifauna, contribuem com a diversidade biológica, amenizam a poluição sonora, diminuem a velocidade dos ventos, ajudam na absorção de carbono e consequente amenização da poluição do ar e ainda têm uso paisagístico, embelezando a cidade. Todo este potencial das árvores está apontado no manual de arborização elaborado pela Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF) juntamente com a Seuma e a Coordenadoria de Políticas Ambientais (CPA).
Além de tudo isso, uma arborização adequada também aumenta a área de sombra e a absorção de parte dos raios solares, benefícios que favorecem ciclistas, pedestres e até mesmo motoristas das grandes cidades. De acordo com o arquiteto urbanista José Otávio Braga, no entanto, a arborização de Fortaleza ainda é insuficiente. “Se você pegar o recomendado pela ONU, de 12m² por habitante, Fortaleza passa longe. Existe uma certa cobertura vegetal na cidade, mas a tendência parece ser a de separá-la cada vez mais da área de convívio humano restringindo-a a parques e locais de proteção”, afirma.
Irregularidades
Além do pequeno número de árvores existentes em áreas de convivência, o arquiteto também aponta que a PMF parece buscar somente os números para tentar se adequar às taxas, sem considerar a qualidade do ambiente construído e no efeito das ilhas de calor para a percepção térmica dos cidadãos. Segundo ele, “há muito, dentro da PMF, a ideia da política de compensação como remédio para todos os crimes ambientais. ‘Vou tirar aqui 200 árvores de 20m e plantar 3000 mudas em um local já bem arborizado’. Como assim? Os efeitos da ilha de calor, a exposição à radiação vão continuar sendo naquele local, ele vai continuar prejudicado, as pessoas que circulam para lá vão continuar prejudicadas. Não podemos achar que tudo pode ser modificado e compensado depois”, alerta.
Otávio, que também é ativista do grupo Direitos Urbanos Fortaleza, coloca ainda que são comuns podas de árvores feitas de formas inapropriadas por órgãos públicos. “Não bastassem as podas criminosas da Coelce que depenam as árvores completamente (e há relatos de que a empresa ganha por quilo de poda, o que em nada contribui com o sombreamento urbano)”, alega, “as obras da Prefeitura não respeitam sequer o próprio planejamento dos órgãos internos da mesma.
A supressão das árvores do binário Santos Dumont – Dom Luís não seguiu as recomendações corretas para transplantio da Seuma que indica que, de forma padrão, a árvore deve ser deixada em adaptação por um mês com a vala escavada antes de ser removida. Por isso, várias árvores morreram e a promessa de replantá-las (seja onde for) não se cumpriu”, conclui o arquiteto.
Falta de bom senso
Mas não são somente os órgãos públicos os responsáveis pela má condição das árvores de Fortaleza e de sua escassez. José Otávio Braga também denuncia a falta de bom senso de empresas e de indivíduos. “Uma academia na Avenida Washington Soares cortou um baobá (um baobá, das árvores mais belas, frondosas e raras) que pode ter sido plantado pelo José de Alencar, para aumentar em duas vagas o enorme estacionamento. Tudo é motivo para tirar uma árvore: dá cupim, o ladrão sobe, traz bicho…”, elenca.
O projeto de política ambiental elaborado pela Seuma estabelece que se evite ao máximo a supressão de vegetação por corte, devendo ocorrer preferencialmente o procedimento de transplante de árvores. Além disso, recomenda que seja priorizado o plantio de espécies nativas, o que também não ocorre segundo o urbanista. “Muitos prédios das últimas décadas plantaram vários pés de Nim Indiano, uma árvore invasora que espanta os insetos, além de outras invasoras mais conhecidas (mas que colaboram mais com a arborização e sombreamento) como as castanholeiras. A arborização nativa de Fortaleza está cada vez mais restrita e difícil de encontrar”, ressalta o ativista.
O resultado de todas estas irregularidades é sentido, literalmente, na pele de quem utiliza as ruas de Fortaleza. “Quando volto a pé quase não suo porque venho procurando os caminhos mais arborizados, mas tem vezes que só tem a sombra do muro encostado”, afirma o arquiteto.
Poluição visual
A falta de bom senso também se estende à poluição visual. Em toda a cidade, é comum observar, afixados às árvores, tapumes, pregos, cartazes, placas, tabuletas, pinturas, impressos e cordas, prática proibida pelo projeto de política ambiental da Seuma, que também indica não ser permitida a colocação, mesmo que temporária, de objetos ou mercadorias para quaisquer fins. Os moradores de Fortaleza, acostumados a conviver com diversos obstáculos que atrapalham o caminho, não se surpreendem quando se deparam com os anúncios espalhados, não somente em árvores, mas também em calçadas, muros, postes e canteiros.
A poluição visual pode ser definida como o conjunto de efeitos danosos resultantes dos impactos visuais causados por determinadas ações e atividades que prejudicam a saúde, a segurança e o bem-estar da população, criam condições adversas às atividades sociais e econômicas, afetam desfavoravelmente a biota e afetam as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente. Ela se caracteriza pelo excesso de elementos ligados à comunicação visual (como cartazes, anúncios, propagandas, banners, totens, placas etc.) dispostos em ambientes urbanos, especialmente em centros comerciais/shopping centers e de serviços.
Baseado na lei de Combate à Poluição Visual (Lei 8221/98), que proíbe qualquer tipo de anúncio em postes, árvores e logradouros públicos, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), realiza fiscalizações semanais em vários pontos da capital, com o objetivo de remover as irregularidades.
Segundo a Seuma, as principais “causadoras” de poluição visual são as imobiliárias. Atualmente temos em anúncios de vendas de casas e terrenos como as principais irregularidades. “Estamos empenhados nesta ação. Algumas imobiliárias já até nos procuraram para receberem maiores informações e solicitaram a nossa colaboração a fim de que pudéssemos esclarecer síndicos e proprietários sobre a legislação”, disse Maria Luíza Távora, coordenadora da Comissão de Combate à Poluição Visual da Seuma. Para denunciar qualquer poluição visual, ligue para o Fala Fortaleza: 0800.285.0880.
[Slide show de fotos da poluição visual de fortaleza]
Legenda: Lixo e objetos diversos são afixados às árvores e postes ou dispostos nas calçadas e canteiros, prática que pode comprometer as plantas e atrapalhar a utilização das vias.
Informação que melhora a cidade
José Otávio lastima que a desinformação tenha grande contribuição para que a população se torne resistente a ações benéficas para a cidade e, consequentemente, para ela mesma, como o plantio de árvores. “O comerciante não quer pôr árvore porque bloqueia a vista da fachada, da placa; o morador não quer pôr porque o ladrão sobe”. A informação sobre as vantagens destas ações, assim como a quebra de estigmas e preconceitos são parte importante do processo de humanização do espaço urbano, portanto.
O convencimento junto às construtoras é outra batalha a ser travada. “O arquiteto precisa ter muita lábia e pegar um cliente já de cabeça mais aberta para aceitar que árvores sejam colocadas e espaço seja cedido ao ambiente público. Sem contar das vezes que o projeto contempla árvores, mas na hora de executar é esquecido, afinal já foi aprovado mesmo”, lamenta o urbanista.
Entre as saídas viáveis para estimular o plantio de árvores, a elaboração de leis que concedam benefícios fiscais a quem agir no intuito de aumentar a arborização da cidade pode contribuir para a mudança da paisagem urbana. Segundo Otávio, é prática comum em cidades europeias a concessão de reduções nos impostos sobre propriedades para os edifícios que tenham telhados ou fachadas verdes. “Existe, inclusive, um estudo da Universidade de Cardiff que avaliou como seria o impacto da colocação de telhados verdes em cidades. Brasília teria uma redução de nove graus na temperatura média se todas as coberturas fossem verdes, por exemplo. A colocação de fachadas verdes também contribui com a fauna, pois a cidade se torna cheia de corredores ecológicos em que bichos possam se locomover, principalmente abelhas, tão necessárias para a agricultura e arborização”.
Em São Paulo, o Movimento 90º, que se denomina “um negócio social que tem como causa o aumento de área verde em grandes metrópoles através da instalação de jardins verticais em fachadas com impacto na paisagem urbana”, já busca contribuir para temperaturas mais amenas, o aumento da umidade e a diminuição da poluição do ar – tudo a partir do incentivo ao uso de cobertura vegetal sobre as paredes. Também há, em Fortaleza, grupos como o Direitos Urbanos e o Movimento Pró-Árvore que lutam por uma cidade mais saudável.
[Fotos: prédios com paredes e cobertas verdes]
Resistindo ao descaso
A mobilidade urbana e a harmonia entre os cidadãos e a cidade são ainda mais dificultados devido às medidas urbanísticas. A priorização de viadutos e binários, em detrimento das áreas de convivência pública e espaços verdes, além do esquecimento da colocação de passarelas, ciclovias e faixas de pedestre, figuram como um importante fator de desocupação das ruas.
Além desta, outra razão relevante vem estampando capas de jornais quase todos os dias. A cidade tem vivido já há alguns anos o crescimento desenfreado da violência. De acordo com o mapa da criminalidade montado em julho deste ano pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, ficamos abaixo apenas de Maceió no ordenamento das capitais por taxas de homicídio, com 5,2 assassinatos por dia.
Quanto aos assaltos, segundo o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Ceará, somente a ônibus, entre janeiro e julho de 2014, foram registrados 1.149. Quem não possui seu carro próprio caminha com medo, quem possui – ainda que tenha um pouco mais de segurança – precisa subir os vidros.
Apesar de tudo, alguns lugares da Terra da Luz prosseguem como locais de resistência das áreas verdes e do convívio humano, conseguindo tirar as pessoas de casa para apreciar o que pode ser feito ao ar livre e recebendo quem estiver disposto a reocupar o que lhes pertence por direito. Alguns novos, outros com bastante história, mas todos com a importante missão de reunir seus habitantes nas praças, nos parques, ao ar livre e com tranquilidade. A seguir, listamos alguns deles:
Passeio Público
A praça, que já foi chamada de Campo de Pólvora, Largo de Fortaleza, Largo do Paiol, Largo do Hospital de Caridade, Praça da Misericórdia e Praça dos Mártires, é um dos equipamentos culturais mais simbólicos de Fortaleza. Em meados de 2000 foi abandonada pelo poder público, exibindo por alguns anos postes quebrados e sem luz, bancos vandalizados e deteriorados, jardins com plantas mortas e muita sujeira. Também deu lugar a insegurança e virou recanto para o mercado do sexo, sendo habitado, sobretudo, por prostitutas e pessoas que buscavam este tipo de serviço.
No entanto, em 2007, a Prefeitura de Fortaleza investiu cerca de R$800 mil na revitalização do lugar, reinaugurando-o com a ajuda da Casa Cor e a presença de um quiosque contemporâneo, com serviços de café e almoço. Fortaleza abraçou a ação com gosto e mudou o perfil do público frequentador do local, que hoje recebe artistas, famílias e grupos de amigos todos os dias da semana, mas principalmente aos domingos.
Para a jornalista Patrícia Borges o espaço é um dos mais agradáveis da cidade. “A comida do restaurante é maravilhosa e sempre tem boa música. Há, também, as lindas árvores que deixam o ambiente bastante ventilado. Costumo ir no horário do almoço e com frequência está lotado, o que faz com que eu me sinta segura e esqueça da questão da violência. Queria muito outros lugares assim na cidade”, conta.
Calçadão da Praia de Iracema e Estoril
Nos anos 1980, o Cais Bar abrigava boa parte dos intelectuais de Fortaleza em noites regadas a cerveja e muita arte. À sua frente, um calçadão cheio de gente se estendia, trazendo movimento à noite fortalezense. “Aquela área se tratava de um grande cordão de restaurantes, vendedores de artesanato, famílias que levavam crianças com bicicletas e patins. Esse movimento emendava com um outro lado, onde era possível adentrar o Estoril e mais uma série de outros bares com boa música. Havia lançamentos de discos, de livros, leitura de poesias. Um espaço cheio de transeuntes, onde se entrava em contato com muita gente”, lembra o psiquiatra Carlos Magno, sobre o espaço que passara por uma ampla reforma nos anos 1990, tornando-se um dos principais pontos turísticos da cidade.
Mas essa fase de ouro também teve seu fim. Com o aumento da violência e falta de investimento no espaço, os comércios ao redor foram aos poucos encerrando suas atividades, dando lugar ao abandono e à prostituição. A promessa municipal era de uma restauração no calçadão e recuperação do Estoril. Esta, veio em 2008 e foi finalizada apenas em 2010, mas sem investimento em sua programação.
Somente a partir do final do ano de 2011 o espaço passou a receber eventos mais uma vez, como a Feira da Música, a Casa do Blues, o Festival de Biografias e diversos projetos que incentivam a produção artística local de maneira gratuita. Para Louise Félix, estudante de Artes Visuais, as iniciativas funcionam como uma injeção na autoestima. “Fico esperançosa quanto ao meu futuro profissional quando vejo minha cidade investindo em arte. Não só no Estoril, que tem ajudado a divulgar o que produzimos, mas em locais como o Porto Iracema das Artes, que também nos capacita. Precisamos deste tipo de ação na nossa cidade, é bom ver as coisas acontecendo”, explica.
Parque do Riacho Maceió
A partir de uma Operação Urbana Consorciada (OUC) entre o Município, por meio da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) e a Nordeste Participação e Empreendimento (Norpar), Fortaleza inaugurou no dia 1º de Agosto de 2014 uma nova praça. Com 22 mil metros de extensão, fica entre a rua Tereza Kinzo e a Avenida Beira Mar. É bastante arborizada e ainda conta com mesas que possuem tabuleiros de xadrez. O investimento foi de R$7 milhões e leva o nome de Otacílio Teixeira Lima Neto, reconhecido arquiteto e urbanista da terra.
Para Joana Maia, estudante de design da Universidade Federal do Ceará, o local é, sobretudo, mais uma oportunidade para reunir os amigos. “Sempre venho em turma para fazer piquenique ou só para deitar na grama e conversar. Trazemos violão e fazemos a festa aqui mesmo. Além disso, estamos perto da praia. Ainda dá para dar uma caminhada na areia depois”, comemora.
Atravessando a rua do Parque do Riacho Maceió, temos o calçadão da Beira Mar de Fortaleza que, além de tradicional ponto turístico, milhares de pessoas optam pelo lugar para a prática de exercícios físicos todos os dias. Seja caminhando, correnco, andando de bicicleta ou patins, as pessoas aproveitam o clima agradável favorecido pelo mar para a execução de suas atividades. É um dos muitos espaços públicos da cidade onde há sempre um grande movimento.
Praça do Ferreira
Mesmo já tendo mudado de nome cinco vezes e sofrido várias reformas ao longo de seus 81 anos, a praça localizada no Centro e conhecida como “O coração de Fortaleza” carrega, em cada metro quadrado, uma identidade muito forte, que acaba por ser imagem e semelhança de cada fortalezense. Por dia, milhares de pessoas passam pelo local. São jovens como os do “Mercado da Boa Notícia”, que entregam papéis com mensagens positivas mesmo ao sol quente. Artistas como o peruano Michel. Performáticos como o homem que finge, por horas, sentar em uma cadeira invisível – todo pintado de prata.
Uma dessas pessoas, até pouco tempo, era dona Niná. Com 75 anos e uma vista prejudicada que não lhe permite mais sair sozinha de casa, ela sente falta dos bancos de madeira todos os dias. “Até uns cinco anos atrás eu ia com bastante frequência ao Centro tomar um caldo de cana no Leão do Sul e papear na Praça do Ferreira. Tinha um grupo de amigas que se reunia lá sempre às 16 horas. Era revigorante. Sinto muita saudade”, revela.